Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso.
Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso.
Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou um estrangeiro para minha alma.
Sou um estrangeiro para minha alma.
Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz.
Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma.
Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.
Sou um estrangeiro para o meu corpo.
Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.
Sou um estrangeiro para o meu corpo.
Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.”
Fujo deles.
Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.”
Deixo-as correndo.
Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.”
Fujo deles com medo.
E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trémulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao frequentar as fadas e os feiticeiros.”
Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.
Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, frequentado por cobras e insectos.
Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo.
E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.
Ideias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos.
E almas de nações esquecidas me fitam.
Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso.
Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.
Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...
Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas.
E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto.
Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.
E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorgeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados.
E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade.
E estendem suas mãos brancas e perfumadas.
Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irónicos.
Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa.
Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.
Kahlil Gibran
Kahlil Gibran